sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ó Minha Felicidade


Revejo os pombos de São Marcos:

A praça está silenciosa; ali se repousa a manhã.

Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave

frescura,

Como enxames de pombos para o azul

Depois torno a chamá-los

Para prender mais uma rima às suas penas.

— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Calmo céu, céu azul-claro, céu de seda,

Planas, protector, sobre o edifício multicor

De que gosto, que digo eu?... Que receio, que invejo...

Como seria feliz bebendo-lhe a alma!

Alguma vez lha devolveria?

Não, não falemos disso, ó maravilha dos olhos!

— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Severa torre, que impulso leonino

Te levantou ali, triunfante e sem custo!

Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos...

Serias, em francês, o seu «accent aigu»!

Se, como tu, eu ficasse aqui,

Saberia a seda que me prende...

— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Afasta-te, música. Deixa primeiro as sombras engrossar

E crescer até à noite escura e tépida.

É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro

Ainda não cintilam no seu esplendor de rosa;

Resta ainda muito dia,

Muito dia para os poetas, fantasmas e solitários.

— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!



                                                 Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

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